Vituxo, como Ismar nos ensinou a chamá-lo, surgiu nas nossas vidas quando tínhamos já nossos vinte e muitos e trinta e poucos. Recém-chegado aos vinte e poucos, Heringer era toda a promessa que ele mesmo cumpria a cada novo passo. Cabeça incrível, polígrafo, artista, ativista, o menino mais lindo da cidade: uma admiração doida. A partir dali fizemos todos nós muita coisa juntos, dentro e fora da poesia. No nosso grupo, um era farol do outro. Vieram 2013 e as manifestações; Victor entendendo que quanto mais ficasse no Rio, mais se entregaria às ruas e ao terror policial, exilou-se em São Paulo. Antes de ir, me deu de presente uma colagem de uma baleia que ele havia feito. Veio a glória do Glória e lá estava ele finalmente reconhecido como novo grande prosador. Veio 2014 e Victor me fez chorar pela primeira vez - de duas -, e foi de alegria: me deu o videoclipe da canção "A Mutante", do meu disco Praia . Sobreposta aos filme de super-8, no clipe da música a toda hora surge a caligrafia de Heringer a perguntar-nos: "O amor é isto?". Diferentemente das últimas 24 horas, escondi-me para chorar.

Veio o golpe e quase fomos juntos para Portugal, mas Victor ficou e lançou O Amor dos homens avulsos , sua tentativa de responder à pergunta do clipe da "Mutante". Ia encontrá-lo essa semana, não deu tempo. Agora não encontro mais a colagem da baleia. Assim como fez com o profeta Jonas, o monstro marinho cuspiu-me e escafedeu-se. Assim como o profeta Jonas estamos todos nós profundamente tristes. Não nos importa Nínive, não importam as perguntas de deus, essa coisa em minúsculas. Victor, foi como a aboboreira de Jonas, nos encheu de alguma esperança mas foi-se do dia para a noite (e agora me lembro que Sob a sombra da aboboreira , último livro de Ricardo, é dedicado ao Victor). Todas as pistas são falsas e ao mesmo tempo, naturalmente, todos os eventos, tristes ou alegres, desaguaram de forma inevitável neste final inesperado. Ligamos novamente os faróis, mas hoje não há nada para enxergar lá fora.

Originalmente publicado no Segundo Caderno do jornal O Globo.

Compartilhar este post

Escrito por

Mariano Marovatto
(Rio de Janeiro, 1982)

Comentários