Faz um tempo que a gente não se fala por aqui. O ano chegou e já temos mil e uma reviravoltas. A extrema-direita segue exibindo sua heteróclita sanguinolência e seguimos nós, criando as ficções possíveis para poder manejar como der até a chegada da imunização plena, pelo menos. Para deixar tudo mais desafiador, resolvi lançar um disco novo esse ano ainda, apesar da pandemia, apesar do governo e apesar da tenebrosa realidade do streaming. Para quem não sabe, para além das limitações da quarentena, a música nunca foi tão mal paga como agora. Nesse artigo da Harvard Business Magazine explica-se o problema e o abismo: "No Spotify, os artistas precisam de 3,5 milhões de streams por ano para atingir os ganhos anuais de um trabalhador norte-americano com salário mínimo em tempo integral de US$15.080." 3.5 milhões é um milhão a menos do que a Ivete Sangalo tem de ouvintes mensais no Spotify. Ou seja, se a Ivete fosse norte-americana e vivesse apenas de Spotify, a situação dela estaria bem complicada. O streaming repete a lógica da economia mundial: apenas 1,4 % dos artistas ganham uma média de 22 mil dólares por trimestre. A média dos outros 98% é de 36 dólares durante o mesmo período. Se eu fizer apenas um show para 20 pagantes eu ultrapasso essa média trimestral do Spotify. (Até o momento não ganhei dois reais inteiros do Spotify, diga-se de passagem. Mas, posso estar errado e quem sabe tenho até uns cinco reais para recolher. Preciso checar essa informação na UBC). Resumindo, a vida do músico agora equipara-se à vida do poeta, financeiramente falando. Sempre nula ou devedora. Tenha a vantagem de entender como é a vida de poeta mais e melhor do que muito músico por aí. Enquanto isso, o dono do Spotify, um sueco um ano mais moço do que eu, possui uma fortuna pessoal de 4,5 bilhões de dólares. Mas não queria falar tanto sobre esse assunto.

Enquanto preparo as outras canções do disco novo, resolvi lançar um single na internet semana passada: uma versão de "Sutil", provavelmente minha canção predileta do Itamar Assumpção. Gravei sozinho todos os instrumentos da faixa, nessa mesma mesa e nesse mesmo computador que agora escrevo para vocês. Depois de terminada a minha parte, enviei pro Martin Scian mixar e masterizar a canção, enquanto ele constrói sua nova casa na Patagônia. O Pedro Colombo, que dez anos atrás fez um documentário sobre o Itamar, foi quem fez a capa. E pronto. Eis o lado bom da falência do mundo da música:  já que não tem dinheiro, também praticamente não tem indústria. Só nos meus sonhos de adolescente achei que poderia gravar e lançar uma música para o mundo sentado numa cadeira sem precisar do aval e do suporte de uma gravadora. Um dia depois da canção ir pro ar, fiquei bobo quando a maravilhosa Ná Ozzetti, a grande intérprete de "Sutil" desde sempre, veio no meu Instagram elogiar a minha versão. Reconhecimento é a grande fortuna do poeta. 

A próxima canção que lançarei será uma versão de "Filme de Terror", do Sérgio Sampaio. Espero que em muito breve. Como disse meu amigo, poeta e parceiro Ismar Tirelli Neto: "Filme de Terror talvez seja a única canção possível dos últimos tempos." Agora vou ler mais um pouco sobre as possibilidades de se ganhar um mínimo justo necessário fazendo música no Brasil em tempos de covid e Bolsonaro.

Um beijo e até já!

PS: Dá pra ouvir Sutil no Spotify (e Deezer, e Apple Music, etc) ou no Bandcamp, uma plataforma que respeita mais o artista e possui uma qualidade maior de som.

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Escrito por

Mariano Marovatto
(Rio de Janeiro, 1982)

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