“Oswald de Andrade entrou e saiu de todas as estruturas do século XX e as fez explodir. Inclusive aquelas que não viveu, como o próprio Tropicalismo de Caetano que parafraseio. E não falo apenas do espectro da antropofagia. Oswald também foi simbolista, modernista, liberalóide, comunista, futurólogo, sociólogo, poeta imenso, artista e político acima de tudo. Irônico, doce e violento, foi o ponto de convergência do Brasil do século XX. Ainda que não responda objetivamente à atual demanda da luta ecológica, feminista, queer, trans, indígena, diaspórica e antirracista (não há intelectual do século passado que o consiga plenamente), sua sabedoria anticapitalista e decolonial é incontornável diante do antropoceno, governado pelas big techs, em que vivemos. É necessária a reimpressão integral das obras de Oswald de Andrade.”

Dei esse depoimento a PublishNews sobre a atualidade de Oswald no ano em que sua obra chega ao domínio público. Estrambótico, superlativo, urgente. Afinal, 2025 é o grande ano dos bilionários. Serão eles os responsáveis por transformar Copacabana em mar em 2050. São fatos, procure saber. Antes, eu tinha planejado começar essa primeira newsletter do ano falando do Ruy Castro logo no primeiro parágrafo. O biógrafo de Carmen Miranda, outro dia na Folha de S. Paulo, escreveu sobre o Oswald. Mas ele fez isso no dia 30 de dezembro e eu estava num furacão de eventos. Então, pensei que conseguiria escrever logo depois do dia primeiro de janeiro, mas fomos parar num churrasco dançante promovido pela Deize Tigrona num casarão em Santa Teresa, que já foi propriedade de Julia de Almeida. Eu adoro a Julia e sei que o Ruy Castro também. De noite, o churrasco virou sarau e, acompanhada ao piano, Deize cantou “Prostituto”. Foi estupendo, como diria o Chico Alvim. Fiz caipirinhas, verifiquei se as carnes da churrasqueira estavam no ponto, levei farofa, pimentão e banana da terra que sobraram do réveillon. Em casa, prometi que escreveria logo após a feijoada na Portela, no primeiro sábado do ano, mas emendamos no baile charme de Madureira. A coreografia ininterrupta feita por uma centena de pessoas debaixo do viaduto Negrão de Lima parece o looping de um longo tema, mas não é. É como Steve Reich. Repete repete repete repete repete muda um pouquinho e repete repete repete entram movimentos inesperados repete repete repete até ficar tudo diferente. Mas não é Steve Reich, pelamordedeus. É charme, meuzamigues. É gostoso demais. Imagina o quão insuportavelmente maravilhosa será Madureira em 25 anos, quando tiver uma praia só sua. Sobre a feijoada na Portela não há muito o que explicar. Feijoada na Portela é feijoada na Portela. Com direito a Velha Guarda estourando os alto-falantes. Oximoro e overdose. Um dia vamos ter que discutir a sério o papel dos operadores das mesas de som do mundo do samba. Mas agora não. De qualquer forma minha audição já não está lá essas coisas. A vista cansada piorou também. E os dias foram passando e muitas aventuras aconteceram. Agora já é dia 16 e daqui a pouco é hora de pagar boletos.

Mas eu queria apenas corrigir o Ruy Castro. Ele fez uma coluna com assuntos de Oswald que estão no meu livro bastante explicadinhos. E Ruy fez um clickbait do tamanho de uma coluna. Diz ele: “Folheando a trabalho o jornal carioca Meio-Dia, de 13 de março de 1939, encontrei um artigo confuso, mas meio racista e homófobo, contra Mário de Andrade. Meio-Dia era financiado pelos nazistas no Rio, com dinheiro do Banco Transatlântico Alemão por intermédio da agência Transocean”. Ruy cita longamente os xingamentos a Mário e então termina seu texto: “Não brigue comigo. O autor, olha só, é o Oswald de Andrade”. Sim, tô sabendo. Ruy, eu mandei meu livro para sua casa, aliás. Veja se está aí no escaninho, por favor. Mandei há um tempão, inclusive.

Enquanto isso, vamos lá, pessoal: que Oswald era machista, homofóbico e dono de um racismo estrutural não é muita novidade. Aliás, como eu disse no PublishNews, não há intelectual… ou melhor, corrigindo: não há homem heterossexual no Brasil de 100 anos atrás que não o seja em alguma medida. No segundo capítulo de A guerra invisível eu cito o excelente artigo de Jorge Vergara chamado “Homofobia e efeminação na literatura brasileira: O caso Mário de Andrade”. Nele o autor cita e problematiza praticamente as obras completas da homofobia de Oswald contra Mário, até a morte precoce deste. Eis aqui o link para todos nós lermos e repisarmos essa história com a devida profundidade. Agora sobre o Meio-Dia ser patrocinado com dinheiro nazista é mesmo verdade. Porém (plateia: Ah, porém!), Joaquim Inojosa e seu jornal revelaram seu real posicionamento político somente no ano seguinte às colunas de Oswald (que parou de escrever no diário em julho de 1939). Nessa altura Oswald já tinha sido substituído por Jorge Amado em sua função. E somente em 1942, quando Getúlio sai da neutralidade e finalmente alinha-se aos Estados Unidos na Segunda Guerra, o Dops resolve desmascarar a origem do dinheiro do Meio-Dia que, por falta de recursos, fecha as portas. Era isso, Ruy. Se quisermos, todos nós, podemos também discutir as relações entre soviéticos e nazistas e o pacto Molotov-Ribbentrop nas vésperas da guerra e sua repercussão entre os comunistas brasileiros. Mas também sugiro antes, uma leitura atenta na bibliografia especializada. Devemos evitar os click baits e as fake news - são cacoetes perigosos de bilionários de extrema-direita em crise de meia-idade.

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Escrito por

Mariano Marovatto
(Rio de Janeiro, 1982)

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