Ontem lancei a minha versão da canção "Filme de Terror", do gênio Sérgio Sampaio. Escrevo ainda sob o efeito da alegria do retorno imediato e positivo que tive das pessoas nessas últimas 24 horas. Desconhecidos, amigos próximos, distantes, pessoas que admiro profundamente vieram falar comigo. Nessa altura dos acontecimentos isso vale ouro. Dias atrás, por conta da assessoria de imprensa, havia escrito umas linhas sobre a razão de ter gravado essa canção. Reuni uns poucos pensamentos. Em 2017 costumava cantar "Filme de Terror" nos shows do Selvagem, lá em Portugal. Dizia para o público que a canção servia para explicar a situação política do Brasil naquele momento. Dava bastante ênfase ao verso "dentes, pêlos e VAMPIROS" - relacionava-o ao Michel Temer. Os brasileiros da plateia entendiam. Quatro anos depois, a música continua politicamente fresca, talvez até melhor ressignificada: "Dura um ano inteiro o filme de terror", e "na rua um sacrifício / no pescoço um crucifixo", e "abra os olhos com os vizinhos", são versos que podem ser lidos sem qualquer grau de metáfora. O dia 12 de fevereiro, que seria a largada do carnaval, foi escolhido não à toa como a data de lançamento do single por conta do segundo verso da canção: "no meio da folia, um filme de terror". Falei um pouco disso tudo, mas ontem, no dia do lançamento, acordei refletindo um pouco mais sobre a não-realização do carnaval. 

Descobri que no Rio de Janeiro houve apenas duas outras vezes na história do feriado em que o carnaval não aconteceu na data prevista e foi adiado. Portanto, estamos vivendo  a primeira vez em que de fato ele não acontecerá. Em 1892, a festa foi adiada para o final de junho por conta de um surto de febre amarela em meio às catastróficas condições sanitárias da cidade. A segunda vez eu acabei contando melhor no texto que acabei escrevendo na manhã de ontem. Ele serviu para apresentar a canção nas redes sociais e agora também quero mostrar pra vocês: 

Hoje não tem carnaval. A última vez que foi decidido não ter carnaval no Rio, foi em 1912 por conta da morte do Barão do Rio Branco. Lima Barreto odiava o Barão como se ele fosse a primeira encarnação de Bolsonaro. Adiaram então para abril o festejo. A população não teve dúvida: fez carnaval em fevereiro e abril. Não li a biografia do Lima Barreto, mas espero que ela tenha pulado desvairadamente os dois carnavais de 1912. [Depois uma amiga me confirmou que ele não pulou o carnaval em 1912. Uma pena. Respondi que não pularemos esse ano em respeito a ele.] Hoje não tem carnaval porque nas ruas está passando um filme de terror.

Sérgio Sampaio compôs “Filme de Terror” há quase 50 anos, quando Emílio Garrastazu Médici era presidente do país. O Cinema Império da Tijuca (uma mistura imaginária do extinto Cinema Império na Cinelândia e da escola de samba Império da Tijuca) foi como Sérgio teve que fantasiar o DOI-CODI - localizado no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, 425 - na letra para não ser censurado ou pior: preso, torturado, morto e desaparecido. Quando eu tinha 13 anos estudei com o neto do Médici e disse a ele que seu avô foi o pior presidente da história do Brasil. Éramos incapazes de prever o futuro.

Portanto, aqui vai minha regravação de “Filme de Terror”. Fiz o arranjo de cordas e cantei ao pé do ouvido do gravador de fita cassete. Martin Scian mixou e masterizou. O Pedro Colombo fez essa belíssima capa. Depois, já pronto, tudo ficou parecendo uma psicografia (esse fantástico pastiche dos espíritos) do grande Bernard Herrmann [compositor da trilha de Psicose, Viagem ao Centro da Terra, Cidadão Kane e etc.] para um filme de terror (de baixo orçamento) exibido no fictício Cinema Império da Tijuca. 

Está aberto o não-carnaval de 2021. "Filme de Terror" pode ser escutado em qualquer plataforma de streaming. Escolha a sua predileta. Eu dou prioridade para o Bancamp, como já falei outra vez. Aliás, usei um pedaço na nossa newsletter sobre a indústria fonográfica para escrever um manifesto a favor do Bandcamp no meu site.

Um beijo.

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Escrito por

Mariano Marovatto
(Rio de Janeiro, 1982)

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