Passei alguns últimos dias tentando esmiuçar uma tese antiga sobre a finalidade da poesia que é a seguinte: e se vivêssemos em um exoplaneta similar à Terra, mas um pouco menor, em torno de uma estrela mais fria e mais próxima do que o sol, e portanto mais inteligível no céu, o que aconteceria? A quantidade de elucubrações lúdicas, de rituais, regras e jogos que nós humanos criamos ao longo das eras para determinar comportamentos, religiões, filosofias e, finalmente, o significado último da poesia, imagino que seria menos vasta e, por isso, mais facilmente decifrável. Seria mais prática e menos misteriosa. Num planeta menor de um sistema solar reduzido, seríamos menos induzidos ao erro. Seríamos mais assertivos em relação ao bom progresso da humanidade e do entendimento da natureza. Com poucos mistérios a serem sanados, não demoraria muito para que mitologias e religiões fossem tratados como objetos ricos do passado. A poesia, então, teria um significado diverso do que muitos costumam postular, arbitrariamente, de que ela é o instrumento do "inexpressável". Nesse exoplaneta tudo seria expressável. A linguagem daria conta de tudo. Ícaro não teria sido morto pelo sol e as asas inventadas por seu pai, Dédalo, teriam triunfado como grande invenção da humanidade. O mito seria palpável, teria provas e não milagres. Seria história. Livre da confusão e dos segredos, à poesia restaria o prazer do jogo. O Homo ludens teria consciência de si. Seria os meios e o fins, como o próprio prazer o é. Enfim. Enquanto despejo esse parágrafo, ao meu lado na mesa vão notas e livros que tratam indiretamente sobre isso tudo. Deve dar um ensaio para o ano que vem. Talvez não dê em nada. "Não há deus, não há esperança". Porém, "amanhã deve dar praia", como diria o grande Paulo Henriques Britto. É bastante sintomático filosofar sobre a poesia do espaço sideral depois de um ano observando quase exclusivamente as paredes de casa, não é?

O ano acabou. O ano mais atípico do século. Estudá-lo, confrontá-lo e ter dificuldades em aceitá-lo foi o sísifo esforço de todos nós. Por isso não quero enchê-los com mais informações nocivas e redundantes sobre 2020. Pessoalmente, de bom, posso dizer que  esse ano escrevi dois ensaios que gostei muito. Mas não só: lancei um pequeno e-book reunindo crônicas antigas, gravei um álbum de soundscape, em parceria, com trechos do meu livro Estirâncio, pus no mundo duas canções que ficaram 10 anos literalmente engavetadas, e consegui manter, para o bem do exercício da escrita e da saúde mental, uma coluna semanal na Revista Pessoa. "É importante listar as coisas boas que fizemos durante 2020", me disse a Polly semana passada, depois de ler em voz alta a impressionante lista de seus próprios feitos. De fato, mesmo que nada disso do que fiz tenha me dado dinheiro (muito pelo contrário), foi de grande significância entender com a minha lista que a vida seguiu empurrando para frente e não permaneceu "em compasso de espera", conforme muita gente repetiu nas redes sociais, nos jornais e nas salas de Zoom. Se houver oxigênio e água em algum exoplaneta perdido no espaço sideral há milhares de anos luz daqui, a vida vai se impor de alguma forma. Não seria diferente na clausura imposta pela covid-19.

Para terminar o texto (e o ano), quero agradecer a todos vocês que me leem por aqui, desde as pessoas que amo e conheço profundamente até às que nunca vi pessoalmente. Mesmo sendo uma novidade bastante recente, a Fábrica de Parafusos tornou-se a forma mais próxima possível de me comunicar virtualmente e, em contrapartida, a mais legal de ouvir vocês. Continuem respondendo coisas por aqui, sim? 

Que em 2021, a gente não dependa unicamente das telas para poder se olhar e conversar.

Muito obrigado, beijos e até o ano que vem.

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Escrito por

Mariano Marovatto
(Rio de Janeiro, 1982)

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